sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Met(amor)fose

A Metamorfose

Sou uma barata.
Não deve haver surpresa nem mistério: sou uma barata.
Dizem que meu sangue é azul.
Na verdade, ele é mais do que azul - ele é da cor do céu.
Dizem que sou suja.
Desconsideram o fato de que a água da chuva me lava todos os dias.
Dizem que me reproduzo facilmente.
Não sabem que baratas podem ser inférteis devido à ingestão demasiada de açúcar.
Dizem que sou traiçoeira.
Esquecem que sou apenas dotada de instinto e que também gosto de alguns confortos.
Dizem que sou nojenta.
Fazem pouco caso dos meus hábitos de higiene e de minhas tentativas (falhas) de evitar humanos.
Dizem que vivo em esgotos.
Têm pouco conhecimento sobre a hierarquia de nossa tribo: o esgoto é dos roedores.
Dizem que mereço ser exterminada, que sou um mal em massa, conotação do horror.
Não pensam que posso ter traumas.
Dores.
Não falam sobre o meu eu lírico.
Não entendem que o meu real e inefável desejo era ser uma borboleta.
Não compreendem que, com minhas crises de depressão ocasionadas por um amor não-correspondido a um pernilongo, às vezes posso querer ficar sozinha.
Não discutem sobre as oportunidades de emprego que não me foram oferecidas.
Quando durmo na soleira da porta da sua casa, não estou preparando-me para roubar sua comida. Estou somente sonhando em ser uma borboleta.
Aguardo a metamorfose.
A vida é bela,
mas acontece que sou uma barata triste
e existir me custa caro...
Quero borboletear.