domingo, 30 de outubro de 2011

Olha o passarinho!

Odisséia do Coração
ou
Ode ao Passado

Eu pedi para que tu não partisses. Lembro-me de ter dito que a tua presença era a materialização das coisas que sentimos sem poder falar. Confessei meus erros para que, em vão, pudéssemos aprender juntos algumas fórmulas que conduzissem a acertos. Entendi o teu silêncio como um pedido, a tua indecisão como medo, a tua mudança como crescimento. Murmurei que a eternidade poderia durar o quanto fosse, sem que eu hesitasse em garantir o meu – nosso – futuro sempre. Contei-lhe que os fins até poderiam, de fato, ser infinitos – eu me reinventaria à medida que a existência recomeçasse. Dividi meus segredos, compartilhei as lamúrias e, em sobressalto, descobri as verdades que ambos guardávamos. Cavei buracos, criei esconderijos para que tu me encontrasses e fugi olhando para trás, esperando que tu estivesses me seguindo. Sorri com receio, agradeci mentalmente pelo fenômeno da romantização da rotina que ninguém além de ti provocou. Quis ser fato, tato, olfato, paladar e visão; quis validar, tocar, cheirar, provar e enxergar. Busquei maneiras de conhecer-lhe e de compreender a tua distante permeabilidade. Fingi descaso e assumi a minha suposta invulnerabilidade. Questionei o destinatário de teus dizeres, optei por depreciar-me e elevar-te. Assisti aos teus passos e gaguejei sem completar o ritual de despedida.
Acontece que tu não suportavas a dúvida e clamavas pelo imediatismo. O teu tempo não era meu, a tua presença era abandonada, a desistência era mais do que uma possibilidade. A tua reinvenção era em prol de nada, e tu ias decaindo, descendo, aproximando-se do chão, atingindo a nulidade. Votou em branco, preferiu o certo, um pássaro na mão e eu voando.
Voei. O vento me levou, caí do ninho, rompi a casca. Mas, ah!, que desventura. Tentei ser sincera e pareci tola... Deixei o amor secar ao sol junto com as lágrimas.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Sem jeito e do meu jeito


 "I faced it all and I stood tall and did it my way!"

Desafiaram-me a falar sobre Laíza. Treslouquei-me - o que discorrer sobre quem abriga muito do mundo e pouco de si mesma? Descrever as suas incógnitas implícitas, em sua maioria, conclamando pela fugaz descoberta e conquista, seria uma tarefa tão árdua quanto medir as intensidades dos sentimentos. O que em demasia me contradiz – e muito me diz – são os seus contrastes luminosos que espelham amarguras de tempos vindouros. A palidez de sua expressão por vezes introvertida mascara e camufla a fluidez de sua existência, tornando minha dissertação difícil e variavelmente equivocada.
Laíza. La-í-za. O falso acento agudo, transposto em seu nome apenas para facilitar a pronúncia e, vaidosamente, para dar leve charme ao normal - faz jus aos adereços pessoais, adicionados pelo tipo esquisito de acaso induzido. Nome curto, sonoro, às vezes confundido com Luiza, Laís ou Larissa. Não se importa em corrigir, rindo das regras da Língua Portuguesa: “é Laíza, com a sílaba tônica no i”.
A menina que descrevo – com imenso prazer e tamanha discórdia – tem os seus requintes comuns: é gaúcha, tem quinze pouco-longos anos e está na “flor da idade”, não é visivelmente deslumbrante ou proveniente de outro planeta; ela é daqui, dali e de onde houver permissão para a sua entrada. Possui cabelo castanho, olhos de “jabuticaba”, mãos finas intituladas como de “pianistas”, pernas compridas que tem vergonha de mostrar, cintura fina e apetrechos mais do que normais. Ela é normal, comum, ordinária em suas fraquezas; porém, de algum jeito surpreendentemente rarefeito, ela é anormalmente normal.
Ora, pois! Ela é clichê. Vive se perguntando, afinal, por que não há uma definição categórica sobre o que é esse tal de “clichê” que todos falam. Há de existir uma regra para se fugir do vulgar. Seus costumes são manias, e suas manias são habituais: passar a mão em superfícies lisas e bater com as unhas nos utensílios de plástico somente para sentir o som ecoar, calçar primeiro o pé direito nos sapatos, amassar folhas e desamassá-las e amassá-las novamente, vivenciar engraçada sensação ao conhecer pessoas novas e imaginar como a escrita delas deve ser, fechar os olhos enquanto a música toca e colocar-se em histórias que não lhe pertencem, ter que prender o cabelo para solucionar problemas matemáticos, somente conseguir escrever em silêncio e quando sente o seu coração dar um pulinho – deveras estranho e profundamente animador – em seu peito.
Cresceu em Esteio, mas sonha com Porto Alegre e com a faculdade de Direito na famosa Federal do Rio Grande do Sul. Estudante do Ensino Médio e do Curso Técnico em Gestão Cultural, enxerga nas questões burocráticas e nas papeladas de textos uma de suas maiores diversões. Gosta de política, mas está longe de ser sectária; define-se como “centrista” (decisão que, convenhamos, não durará muito tempo, tendo em vista a sua necessidade crescente de assumir posições e defender ideais). É perfeccionista em excesso e ouve ainda mais excessivamente de seus professores que deve “se permitir errar”. Poucos sabem que ela vive errando para acertar. Tem medo do fracasso e ainda não traçou um ponto perfeito no plano cartesiano dos eixos “não se importar com as opiniões externas” e “ser naturalmente autêntica”. Prefere exercer o poder de estar no limiar - considerar o que vem de fora e valorizar o que vem de dentro.
Não é por acaso que o seu nome rima com “juíza”; humana e sentindo-se culpada, ela julga e opina sobre quase tudo que não deve. Aprendeu a assumir os erros e, hoje, diz-se liberta dos maléficos orgulhos que a impedem de proferir as sinceras desculpas. Equivoca-se, mas possui olhos abertos o suficiente para enxergar os enganos. Tenta achar a medida certa na hora de balancear a impulsão e reflexão – às vezes e inconscientemente, opta por uma ou por outra. A casualidade manda.
Cobra demais de si mesma e – mais um contraste! – solta as rédeas com os próximos. Faz o que precisa, até o que não sabe e, assim, acaba por saber. Tem medo de arriscar e de ultrapassar os limites da ousadia, além de não saber demonstrar os seus sentimentos da maneira como gostaria – na maioria do tempo, todos os caminhos guiam para algum tipo de desastre que acarretará no simplório caos interno. Borbulha pensamentos, enquanto as falas pouco transbordam. Já tentou se comunicar por telepatia, ainda não sabe fazer pestanas ao tocar violão, escreveu propositalmente da maneira errada para parecer amigável, achou que baratas realmente tinham sangue azul, surpreendeu-se com o mundo e sorriu perante aos olhos dos outros – e gostou da sensação de satisfação.
Incompreendida, a minha – talvez “nossa”, por ventura? – moçoila gosta de imaginar o futuro e tem como passatempo a arte de construir planos; há ato mais prazeroso do que delinear mentalmente a realidade da próxima década? Quando pequena, afirmava que aos quatorze anos, já teria conhecido o “amor da sua vida”; hoje tem quinze anos e não sabe se a tal história de um amor para toda a vida não é utopia.
É apaixonada pelas palavras, por música, por arte em geral e por verdades que sejam de verdade. Enunciada como “doce”, “fofa” e “delicada”, não se vê assim. Considera-se, de fato, detentora de uma chatice imensurável da qual não consegue fugir. Ela é mais uma no gargalhar das vozes e no ruir das paredes. Não sabe seguir um estilo; talvez seja ela do estilo dos sem-estilos? Gosta de Converse, vestidos floreados e roupas de bolinha, além das sonoridades leves de quem tem muito a dizer. Utiliza-se das entrelinhas e senta no chão à espera de entendimento ou de surpresa boa que lhe arranque um sorriso.
Já plantou uma árvore, tem dois livros publicados contendo algumas poesias de sua autoria e – obviamente - não teve filhos. Não tem cor preferida, mas entende que o número “dez” traz algum tipo de boas vibrações que excedem as notas que sempre almeja nas provas escolares. Há pouco, descobriu-se querida por muitos e desgostosa por quase ninguém.
É dona de vários eus líricos que brigam e disputam espaço e constância no universo da variabilidade. Um recanto de sonhos e pesadelos, poço do que é insofismavelmente fajuto, resultado, raiz quadrada e potência complexa, imaginária e sem solução. Laíza, sob a ótica não depreciativa e exaltadora das coisas boas que não surge com exorbitante frequência.
Laíza, eu. Laíza Rabaioli.