domingo, 30 de outubro de 2011

Olha o passarinho!

Odisséia do Coração
ou
Ode ao Passado

Eu pedi para que tu não partisses. Lembro-me de ter dito que a tua presença era a materialização das coisas que sentimos sem poder falar. Confessei meus erros para que, em vão, pudéssemos aprender juntos algumas fórmulas que conduzissem a acertos. Entendi o teu silêncio como um pedido, a tua indecisão como medo, a tua mudança como crescimento. Murmurei que a eternidade poderia durar o quanto fosse, sem que eu hesitasse em garantir o meu – nosso – futuro sempre. Contei-lhe que os fins até poderiam, de fato, ser infinitos – eu me reinventaria à medida que a existência recomeçasse. Dividi meus segredos, compartilhei as lamúrias e, em sobressalto, descobri as verdades que ambos guardávamos. Cavei buracos, criei esconderijos para que tu me encontrasses e fugi olhando para trás, esperando que tu estivesses me seguindo. Sorri com receio, agradeci mentalmente pelo fenômeno da romantização da rotina que ninguém além de ti provocou. Quis ser fato, tato, olfato, paladar e visão; quis validar, tocar, cheirar, provar e enxergar. Busquei maneiras de conhecer-lhe e de compreender a tua distante permeabilidade. Fingi descaso e assumi a minha suposta invulnerabilidade. Questionei o destinatário de teus dizeres, optei por depreciar-me e elevar-te. Assisti aos teus passos e gaguejei sem completar o ritual de despedida.
Acontece que tu não suportavas a dúvida e clamavas pelo imediatismo. O teu tempo não era meu, a tua presença era abandonada, a desistência era mais do que uma possibilidade. A tua reinvenção era em prol de nada, e tu ias decaindo, descendo, aproximando-se do chão, atingindo a nulidade. Votou em branco, preferiu o certo, um pássaro na mão e eu voando.
Voei. O vento me levou, caí do ninho, rompi a casca. Mas, ah!, que desventura. Tentei ser sincera e pareci tola... Deixei o amor secar ao sol junto com as lágrimas.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Sem jeito e do meu jeito


 "I faced it all and I stood tall and did it my way!"

Desafiaram-me a falar sobre Laíza. Treslouquei-me - o que discorrer sobre quem abriga muito do mundo e pouco de si mesma? Descrever as suas incógnitas implícitas, em sua maioria, conclamando pela fugaz descoberta e conquista, seria uma tarefa tão árdua quanto medir as intensidades dos sentimentos. O que em demasia me contradiz – e muito me diz – são os seus contrastes luminosos que espelham amarguras de tempos vindouros. A palidez de sua expressão por vezes introvertida mascara e camufla a fluidez de sua existência, tornando minha dissertação difícil e variavelmente equivocada.
Laíza. La-í-za. O falso acento agudo, transposto em seu nome apenas para facilitar a pronúncia e, vaidosamente, para dar leve charme ao normal - faz jus aos adereços pessoais, adicionados pelo tipo esquisito de acaso induzido. Nome curto, sonoro, às vezes confundido com Luiza, Laís ou Larissa. Não se importa em corrigir, rindo das regras da Língua Portuguesa: “é Laíza, com a sílaba tônica no i”.
A menina que descrevo – com imenso prazer e tamanha discórdia – tem os seus requintes comuns: é gaúcha, tem quinze pouco-longos anos e está na “flor da idade”, não é visivelmente deslumbrante ou proveniente de outro planeta; ela é daqui, dali e de onde houver permissão para a sua entrada. Possui cabelo castanho, olhos de “jabuticaba”, mãos finas intituladas como de “pianistas”, pernas compridas que tem vergonha de mostrar, cintura fina e apetrechos mais do que normais. Ela é normal, comum, ordinária em suas fraquezas; porém, de algum jeito surpreendentemente rarefeito, ela é anormalmente normal.
Ora, pois! Ela é clichê. Vive se perguntando, afinal, por que não há uma definição categórica sobre o que é esse tal de “clichê” que todos falam. Há de existir uma regra para se fugir do vulgar. Seus costumes são manias, e suas manias são habituais: passar a mão em superfícies lisas e bater com as unhas nos utensílios de plástico somente para sentir o som ecoar, calçar primeiro o pé direito nos sapatos, amassar folhas e desamassá-las e amassá-las novamente, vivenciar engraçada sensação ao conhecer pessoas novas e imaginar como a escrita delas deve ser, fechar os olhos enquanto a música toca e colocar-se em histórias que não lhe pertencem, ter que prender o cabelo para solucionar problemas matemáticos, somente conseguir escrever em silêncio e quando sente o seu coração dar um pulinho – deveras estranho e profundamente animador – em seu peito.
Cresceu em Esteio, mas sonha com Porto Alegre e com a faculdade de Direito na famosa Federal do Rio Grande do Sul. Estudante do Ensino Médio e do Curso Técnico em Gestão Cultural, enxerga nas questões burocráticas e nas papeladas de textos uma de suas maiores diversões. Gosta de política, mas está longe de ser sectária; define-se como “centrista” (decisão que, convenhamos, não durará muito tempo, tendo em vista a sua necessidade crescente de assumir posições e defender ideais). É perfeccionista em excesso e ouve ainda mais excessivamente de seus professores que deve “se permitir errar”. Poucos sabem que ela vive errando para acertar. Tem medo do fracasso e ainda não traçou um ponto perfeito no plano cartesiano dos eixos “não se importar com as opiniões externas” e “ser naturalmente autêntica”. Prefere exercer o poder de estar no limiar - considerar o que vem de fora e valorizar o que vem de dentro.
Não é por acaso que o seu nome rima com “juíza”; humana e sentindo-se culpada, ela julga e opina sobre quase tudo que não deve. Aprendeu a assumir os erros e, hoje, diz-se liberta dos maléficos orgulhos que a impedem de proferir as sinceras desculpas. Equivoca-se, mas possui olhos abertos o suficiente para enxergar os enganos. Tenta achar a medida certa na hora de balancear a impulsão e reflexão – às vezes e inconscientemente, opta por uma ou por outra. A casualidade manda.
Cobra demais de si mesma e – mais um contraste! – solta as rédeas com os próximos. Faz o que precisa, até o que não sabe e, assim, acaba por saber. Tem medo de arriscar e de ultrapassar os limites da ousadia, além de não saber demonstrar os seus sentimentos da maneira como gostaria – na maioria do tempo, todos os caminhos guiam para algum tipo de desastre que acarretará no simplório caos interno. Borbulha pensamentos, enquanto as falas pouco transbordam. Já tentou se comunicar por telepatia, ainda não sabe fazer pestanas ao tocar violão, escreveu propositalmente da maneira errada para parecer amigável, achou que baratas realmente tinham sangue azul, surpreendeu-se com o mundo e sorriu perante aos olhos dos outros – e gostou da sensação de satisfação.
Incompreendida, a minha – talvez “nossa”, por ventura? – moçoila gosta de imaginar o futuro e tem como passatempo a arte de construir planos; há ato mais prazeroso do que delinear mentalmente a realidade da próxima década? Quando pequena, afirmava que aos quatorze anos, já teria conhecido o “amor da sua vida”; hoje tem quinze anos e não sabe se a tal história de um amor para toda a vida não é utopia.
É apaixonada pelas palavras, por música, por arte em geral e por verdades que sejam de verdade. Enunciada como “doce”, “fofa” e “delicada”, não se vê assim. Considera-se, de fato, detentora de uma chatice imensurável da qual não consegue fugir. Ela é mais uma no gargalhar das vozes e no ruir das paredes. Não sabe seguir um estilo; talvez seja ela do estilo dos sem-estilos? Gosta de Converse, vestidos floreados e roupas de bolinha, além das sonoridades leves de quem tem muito a dizer. Utiliza-se das entrelinhas e senta no chão à espera de entendimento ou de surpresa boa que lhe arranque um sorriso.
Já plantou uma árvore, tem dois livros publicados contendo algumas poesias de sua autoria e – obviamente - não teve filhos. Não tem cor preferida, mas entende que o número “dez” traz algum tipo de boas vibrações que excedem as notas que sempre almeja nas provas escolares. Há pouco, descobriu-se querida por muitos e desgostosa por quase ninguém.
É dona de vários eus líricos que brigam e disputam espaço e constância no universo da variabilidade. Um recanto de sonhos e pesadelos, poço do que é insofismavelmente fajuto, resultado, raiz quadrada e potência complexa, imaginária e sem solução. Laíza, sob a ótica não depreciativa e exaltadora das coisas boas que não surge com exorbitante frequência.
Laíza, eu. Laíza Rabaioli.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Met(amor)fose

A Metamorfose

Sou uma barata.
Não deve haver surpresa nem mistério: sou uma barata.
Dizem que meu sangue é azul.
Na verdade, ele é mais do que azul - ele é da cor do céu.
Dizem que sou suja.
Desconsideram o fato de que a água da chuva me lava todos os dias.
Dizem que me reproduzo facilmente.
Não sabem que baratas podem ser inférteis devido à ingestão demasiada de açúcar.
Dizem que sou traiçoeira.
Esquecem que sou apenas dotada de instinto e que também gosto de alguns confortos.
Dizem que sou nojenta.
Fazem pouco caso dos meus hábitos de higiene e de minhas tentativas (falhas) de evitar humanos.
Dizem que vivo em esgotos.
Têm pouco conhecimento sobre a hierarquia de nossa tribo: o esgoto é dos roedores.
Dizem que mereço ser exterminada, que sou um mal em massa, conotação do horror.
Não pensam que posso ter traumas.
Dores.
Não falam sobre o meu eu lírico.
Não entendem que o meu real e inefável desejo era ser uma borboleta.
Não compreendem que, com minhas crises de depressão ocasionadas por um amor não-correspondido a um pernilongo, às vezes posso querer ficar sozinha.
Não discutem sobre as oportunidades de emprego que não me foram oferecidas.
Quando durmo na soleira da porta da sua casa, não estou preparando-me para roubar sua comida. Estou somente sonhando em ser uma borboleta.
Aguardo a metamorfose.
A vida é bela,
mas acontece que sou uma barata triste
e existir me custa caro...
Quero borboletear.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

"Eu mesma me encarcero...

...E ninguém jamais me deixará sair."

Às vezes, quero um remédio. Um pouco de vinho, uma dose de aguardente para acalmar os ânimos e satisfazer os pedidos negados. Por ora - de acordo com a estação, talvez! - a embriaguez é ansiada. Murmuro desejos e sinto o líquido ácido qualquer escorrer pela minha garganta. Quero sentir meu corpo dormente, a mente libertada, risos sem razão, movimentos corporais tensos e intensos, os pensamentos voando por aí, descontrolados, parando em um fulano qualquer que agrade a minha futilidade onipresente.
Para afogar as mágoas e me render aos meus próprios equívocos: é errado cometer certos erros? "Embriagai-vos", como me contou Baudelaire. Embriago-me: cheia de virtude, repleta de graça, rodeada pelo desejo. Não sei se é para esquecer do vazio ou para me lembrar do que esqueci.
É um belo disfarce. Adentrar-me ao grupo o qual, há pouco tempo, era vítima de meus fatídicos julgamentos e menoscabos. Substituí o desprezo por atração, a depreciação por interesse e orgulho próprio.
Orgulho! Falso orgulho de mim, derivado do amor à minha corrosão. Escorro - pelo ralo, com a chuva, esvaeço com o tempo. Fica o torpor, o cheiro do que eu era, a vontade de ser de novo e o vazio do me tornar diferente.
Pela substituição, dedico-me ao estudo. Estudo matemático, filosófico, sociológico ou literário; mais do que isso, emocional. Substituo pessoas e inverto sentimentos, o padrão cai em desuso e a racionalidade maléfica sai para a entrada do impulso. Conta hoje, importa agora, exporta nunca.
Nos momentos de pacacidade, a inquietude interna se revela. "Eu sempre estive aqui", ela me conta. "Sempre estive aqui e não pretendo ir embora. Sou parte de ti e conto a tua história. Sou tua mas, além disso, tu és minha. Domino-te. Você pode tentar fugir pelas entrelinhas e escapar pelas frestas das portas das monstruosidades que deixei propositalmente abertas - não durará muito tempo."
Coloco as mãos nos ouvidos, aumento o volume da música, tomo um café e grito para me mandar parar. O vazio murmura as ordens, sussurra, e ouço a respiração da solidão no meu pescoço. Sem ou com consciência, o vazio continua lá (aqui!), independente das ações da natureza ou dos fatores físicos ou biológicos. Nem os aspectos sociais vão me alterar... 
"Você é linda. A realidade também é bonita" - dessa vez, não é a consciência, a inquietude nem o relaxamento; são as pessoas do meu passado, o recital das mentiras continua a fazer o seu espetáculo. Paguei caro demais pelo ingresso, o show não era tão bom ou convincente quanto as propagandas diziam.
Nesse jogo onde não há heróis ou vilões, sou simultaneamente minha própria salvadora e inimiga. Não gosto de vinganças, evito a dor e prefiro a justiça natural que surge com o acaso. Há de se transformar algo, para melhor ou para pior, algo há de mudar em mim.
Vem mudando. Não daquele jeito de antes, na prisão que vivi por meses, acreditando encontrar a chave para toda a desordem resguardada em mim. Assumo que sou contraditória, confusa, complexa e atormentada pelas teorias do caos que reinventei à meu gosto.  Sei que sou muito nada e pouco tudo. Não quero além disso: só quero me descobrir.
Sem ninguém, sem dores e sem amores, muito menos desamores ou acidez. Recebi distração em troca da felicidade e acabei me acostumando.
Mais um copo de vinho, uma garrafa de distração, um pingo de impetuosidade e fulanos e ciclanos que alimentem a sede e entendam o momento. 
Na escolha entre a verdade e a mentira, eu fico com a minha imaginação.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Jura, injúria

Enquanto o dia não chega, enquanto a vontade não cessa, enquanto o ser é só ser sem existir, eu vou desenhando meu caminho, tremendo as mãos e traçando curvas mais íngremes que as recomendáveis. Vou, assim sem mais nem "mas", caminhando com pressa e correndo devagar, gritando no silêncio e conformando-me com o clichê. Idolatrando a contrariedade e a plurissignificação de minhas certezas, distraio-me com o óbvio, questiono as prioridades, esqueço das relevâncias, entrego-me à insensatez. O que será nascer sem existência e ser sem obediência à si mesma? Tropeçar nos escombros do incêndio da minha inconsciência é deveras inseguro. E vou, vou pensando em querer e querendo ser. Flutuo na surrealidade.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Saudações aos velhos novos sentimentos

Os
erros
são
certos.
Vivo
vivendo
(fingindo)
viver.
Aguardo
o
esquecimento;
ele
nunca
vem. 
O
que
se
mantém
são 
as
lembranças.
Sei
o
que
eu
era,
mas 
não
reconheço
quem
sou.
Não

limites
para

imaginação;
não

barreiras 
que
estanquem
a
perdição.
Não
posso
me
(te)
decepcionar.
Ouça
as
vozes
do
meu
inconsciente,
escute
meu
coração.
Desintregro,
desencontro,
desamo,
desespero,
desanimo,
desisto.
Digamos
viva
à
estupefata
embriaguez;
que
ela
- e

ela(e) -
me
guie
na
covardia
de
minhas
tentativas.
Insólita
sobriedade,
leve
com
você
a
sua
(minha)
mala
de
inseguranças.
Assumo
as
consequências
de
meus
falhos
escassos
inóspitos
atos.
Ou
tu
me
levas
daqui
- para

país
dos
recantos
gentis -,
ou
eu
aprendo
a
fugir
de 
mim.
Enfrentar-me-ei.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Minhas adoráveis obrigações

O esforço de alguns (bons) dias concretizado em resultados satisfatórios. Não poderia deixar passar em branco...

DEMOCRACIA E CULTURALIZAÇÃO

          Conceitua-se como “cultura” o conjunto de valores, crenças, hábitos, costumes, tradições, modos de pensar e agir que são consoantes à vida de determinado grupo, integrando-se às pessoas e conferindo identidade às mesmas.1 As práticas culturais são a moldura da sociedade, e atuam como ponto norteador para o desenvolvimento das relações em todos os âmbitos – social, econômico e educacional.
A sociedade contemporânea é circundada por intensos e variáveis processos de transformação. O mundo gira em torno do seu próprio conhecimento, redefinindo valores e reconstruindo conceitos. As percepções alteram-se conforme as circunstâncias, e o pensamento rompe os aparentes muros de concreto que delimitavam as relações sociais. Involuntariamente, reorganizam-se as instâncias do processo de culturalização.
          Tendo em vista que a cultura não é uma construção hierárquica, de caráter evolucionário – nenhuma cultura pode ser considerada superior ou inferior à outra -, cada indivíduo atua como agente e disseminador de seus pensamentos. Involuntariamente, a organização social funciona como uma “máquina de produzir cultura”, onde intensamente agregam-se novos valores e condicionam-se novas maneiras de correlação entre as distintas identidades culturais. A diversidade cultural consiste na coexistência de diferentes culturas em uma mesma região, delineando as estratégias para a elaboração de políticas culturais competentes e atuantes em sua amplitude.2
     A população detém, em sua maioria, uma vontade crescente e volátil de conviver com o próximo; uma sede inacabável de produzir e manifestar seus desejos e pensamentos culturais. De acordo com a Constituição³, é dever do governo garantir que a nação seja contornada por diversos eixos culturais e transversalizada pela liberdade de escolha entre as opções de pensamento, assim como é um direito de cada indivíduo ter pleno acesso às praticas culturais de todos os contextos sociais, sem as idiossincrasias dos “eruditos” e dos “populares”.
     Dessa forma, a democratização cultural não é a liberalização do acesso à “alta cultura”; ela justamente contesta a prevalência da cultura dita de elite, da falsa dicotomia da cultura.4 A universalização e descentralização da cultura oportuniza a intersecção de valores, crenças e hábitos, promovendo trocas interculturais entre grupos.
     Paralelamente, a acessibilidade cultural é uma das grandes exigências impostas – e dispostas – na sociedade, ao complementar-se com a diversidade. De acordo com dados do Banco Mundial, as indústrias culturais (ou também chamadas de “criativas”) representam cerca de 7% do PIB mundial.5 A cultura movimenta a economia e deve ser aliada às práticas educacionais que favoreçam a cidadania e pluralidade culturais, preparando formadores de opinião com nível elevado de criticidade. Trata-se de uma articulação entre Estado, promovendo políticas públicas pertinentes à área cultural, e população, atuando como produtores, agentes e/ou disseminadores da cultura.
     Cabe ao governo – em seus âmbitos municipal, estadual e federal - garantir espaço e condições para viabilizar a produção e/ou reprodução das práticas culturais em seus inúmeros cenários; ou seja, é seu papel fornecer subsídios a fim de fomentar as manifestações e atender suas demandas, estimulando a autonomia dos grupos para que possam identificar as expressões existentes e recriar suas visões. O artigo 215 da Constituição do Brasil prevê “a defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; produção, promoção e difusão de bens culturais;  formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões;  democratização do acesso aos bens de cultura; valorização da diversidade étnica e regional”, estabelecendo as diretrizes do Plano Nacional de Cultura.6
     A democratização cultural é mais do que uma necessidade; ela se apresenta como uma realidade que precisa ser difundida, estimulada e dinamizada. A cultura deve ser um produto acessível para todas as camadas da população, sem restrições ou segregações, considerando que a interação entre os diferentes legados de cada grupo não traz prejuízos de identidade ou pormenores prejudiciais. Como disse Gandhi: “Nenhuma cultura poderá viver se tentar ser exclusiva”.7 A humanização cultural é a peça-chave para a sustentabilização e ascensão da democracia em sua magnitude presente em todas as esferas sociais.

(Laiza Rabaioli é aluna do Curso Técnico de Nível Médio em Gestão Cultural – Forma Integrada do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSul) – Campus Sapucaia do Sul.)


REFERÊNCIAS UTILIZADAS
1 De acordo com o conceito formulado por Edward Burnett Tylor em seu livro “Primitive culture: researches into the development of mythology, philosophy, religion, art, and custom” (1871).
2 REIS, Ana Carla Fonseca. Economia da cultura e desenvolvimento sustentável: o caleidoscópio da cultura, p. 145.
3 Artigo 215 da Constituição Federal do Brasil, disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acessado em 20 de junho de 2011, às 18 horas.
4 REIS, Ana Carla Fonseca. Economia da cultura e desenvolvimento sustentável: o caleidoscópio da cultura, p. 150.
5 Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/2008/04/01/economia-da-cultura-um-setor-estrategico-para-o-pais/>. Acessado em 20 de junho de 2011, às 18 horas.
6 Baseado no Plano Nacional de Cultura do Brasil, disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/2011/05/26/plano-nacional-de-cultura-21/>. Acessado em 20 de junho de 2011, às 18 horas.
7 REIS, Ana Carla Fonseca. Economia da cultura e desenvolvimento sustentável: o caleidoscópio da cultura, p. 144.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Mr. Moonlight

Quero o meu eu
Cristalizado no teu.
Quero esquecer do peso da gravidade
Me libertar daquelas doces maldades
Que por ventura possam estar gravadas
Na tua pele, na minha pele.
Quero ser junto contigo
Te entender de perto
Acariciar tuas mãos
Oferecer meus braços como acalento
Fazer da minha mente a tua casa.
Quero (d)escrever teus olhos
Ouvir tuas reclamações
Dizer que tudo vai ficar bem
Porque, você sabe, tudo vai se ajeitar.
Quero caminhar na estrada
Te encontrar na curva
Te esperar na chuva
Molhar meus cabelos
Receber teu abraço
Te ouvir dizer que sou um caso perdido.
Quero errar
Ouvir você chorar
Rir dos teus pudores
Esquecer das minhas dores
Apagar meus paradigmas.
Quero que você faça laços
Me prenda junto a ti
Com laços fortes e decorados
Não quero pensar em fugir.
Quero me sentir bem
Adorar a ilusão
Transformar a paixão
Sair da prisão da mente
Sentir o sol arder quente.
Quero fazer da minha vida um filme
Seja o protagonista do nosso romance
Sem dramas, sem traições
Estagnar no início
Recomeçando a cada manhã
Te ver como vilão, meu vício.
Quero que as estações mudem
O tempo passe
As modas se readaptem
E você continue aqui.
Aqui? Aonde?
Perto
No pensamento
Na presença
No sentimento
Na morte 
Na doença.
Quero
Não peço demais.
Quero
Espero
Me encontra.
Vejo você em breve.

domingo, 5 de junho de 2011

Subterfúgio

Eu não sei viver sem ser clichê. Não sei existir sem sentir esperança. Não sei amar a mim mesma sem envolver a surrealidade.
Pronuncio palavras objetivando explicar-me aos outros. Quero dizer o que sou, sinto, espero e desprezo; quero tornar-me clara e facilmente visível como o sol no verão. Mas também sou amante do frio...
É essa presença excessiva de faltas que me deixa "blasé" e distante. Convivo com a minha vontade de acreditar, enquanto minha razão sussurra dizeres como "vá com calma. Hipoteticamente, isso vai dar errado".
Definitivamente, minha vida não é uma afirmação e minhas certezas não terminam com exclamações. A relatividade obriga a suave aparição das reticências - os três pontinhos que alimentam minhas expectativas e possibilitam que minha imaginação se torne o melhor lugar de todo o universo.
Sou o que tenho - minhas posses resumem-se à mim e meus sórdidos e sólidos sentimentos. Isso basta... Por enquanto, é o suficiente para me manter acesa, viva, queimando e tendo vislumbres  de futuros mais prósperos na próxima esquina.
Não sei sobre muita coisa, e encontro na dúvida o suspense que ingenuamente preciso para me sentir atraída. Sei que existo - intransitivamente, existo. Estou sendo existência abstrata. Discretamente, aparecendo. Sendo eu, por mais que eu não saiba a dimensão das coisas e não possa ser precisa ou misteriosa. Só sou adepta dos dramas.
Viver não é só encontrar acalento nos momentos felizes e encontrar-se em ilusórias e inconstantes certezas - viver é permitir-se, é chegar mais perto da complexidade e abraçar a insanidade, é caminhar descalço pelo paralelepípedo, é olhar o céu e não procurar pelas estrelas, é sentar na grama sem se preocupar com as formigas, é olhar para o mundo sem sentir medo, é deslizar pela corda-bamba e esquecer da altura, é duvidar de si mesmo e questionar o lógico, é desentender o banal e aplaudir a rotina, é adorar e desencantar-se, é acostumar-se com crescentes ciclos inacabáveis, é identificar-se, é julgar involuntariamente, é ser interpretado por visões errôneas, é estar distante e desejar ir embora, é estar sozinho e implorar por companhia, é falar dos traumas, das perdas, do que não foi, do talvez e do era uma vez, é trancafiar-se no submundo da mente e esperar que algum herói apareça.
Não requer pensamento.
Viver é assimilar as inconstâncias e recriar os paradoxos.
Pode ser como quiser ser, pode ser como permitido for, pode ser e nascer e morrer: mas que "seja doce enquanto dure" e eterno enquanto teu.
...Teu.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Meu senso de humor

- Não, eu não sinto muito. Sequer sinto ou penso alguma coisa. As únicas palavras plausíveis que passam pela minha mente e que, de alguma forma, ainda abranjam a tua existência só dizem respeito ao meu desejo de não te ver mais. Não apareça. Sequer lembre do meu nome ou dos pequenos resquícios de felicidade que ainda possam ser lembrados sobre nós. Não aprecio mais os teus gestos ou o jeito como tu seguras as minhas mãos. Aliás, tuas mãos são geladas - eu sinto frio. Você não me mantém quente, não mantém meu coração batendo forte. O teu tempero é excessivamente salgado, me deixa com sede... Sede incontrolável de ir embora e fugir. Não apareça, não recorra a outros métodos de solucionar as tuas carências infantis e a eterna solidão impregnada em teu ser. Por favor, não volte. Sinto saudades do que eu era antes de conhecer. Quero partir antes que as mudanças que ocorreram em mim sejam demasiadamente bruscas. Eu quero (e necessito) ir embora. Nada me encanta mais. O teu gosto não se assemelha com avelã; ele só tem aquela péssima amargura das despedidas. Tu não és o que eu quero; não me completas. Há um vazio que tu nunca conseguiste preencher dentro de mim. Eu sou ríspida, seca e ácida. Não te amo e espero que as tuas coisas não estejam mais na minha casa e que tu leves tudo contigo - inclusive a tua inglória paixão. Eu não sou tua.


(Porque repetir uma mentira mil vezes pode transformá-la em verdade.)

domingo, 10 de abril de 2011

"Com um sorriso desses,

...Você não precisa de olhos."

Ela mente quando diz que seus olhos dizem a verdade.
(Na verdade, ela própria é uma mentira. Uma mentira muito bem-feita, diria o seu antigo namorado.)
Ela olha para os cantos, fingindo não ver. Mas ela vê muito mais do que deseja.
(Olhos de raposa.)
Ela sente o cheiro da chuva atravessar os cantos obscuros do mundo e chegar até as suas narinas.
(Olfato aguçado.)
Ela caminha desajeitada, demonstrando um medo que não sente.
(O antônimo da insegurança.)
Ela arqueia as sombrancelhas, fingindo estar surpresa.
(Ela sabia de tudo - de tudo e mais um pouco. Ela sempre sabe.)
Ela inventa o esquecimento e se apropria do perdão.
(Nada além de valores imaginários.)
Ela é um vulcão.
(Uma cidade em chamas, um incêndio catastrófico.)
Ela inventou a si mesma, apoderando-se de características alheias e acrescentando uma pitada de fantasia.
(O mundo não é uma fantasia?)
Ela se olha no espelho, passa as mãos no cabelo, e dá um leve sorriso.
(Há quem prefira viver na ilusão. Há quem prefira acreditar no que não existe.)
Ela faz parte de uma espécie aparentemente instinta.
(Homo Sapiens?)
Ela não tem coração.
(Mas ela sente algo bater em seu peito. Talvez possa ser a culpa pela embriaguez do dia anterior.)
Ela sente frio, calor, fome e desejo.
(Ela é fruto da sua imaginação.)
Ela é a sua mente traduzida em feições delicadas e informais.
(Ela é você.)
Ela...
Utopicamente, a adorável desgraça que vaga sem direção nas mentes dos desocupados.
(Oficina do ócio.)
Entregue-se ao abismo. Vá!
O risco é relativamente agradável quando o fracasso já é garantido.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Construção (02)

CONSTRUÇÃO

Capítulo 02

"I wanna build you up brick by brick. I wanna break you down brick by brick. I'm gonna reconstruct brick by brick."

As nuvens permitem que as primeiras gotas de água caiam sobre o chão e se arrastem até os esgotos. Os trovões anunciam um temporal inesperado.
As pessoas começavam a se movimentar rapidamente, em busca de um teto que as abrigue até a chuva passar.
Por fim, as nuvens cobrem as estrelas enquanto Mrs. Parks abre a porta de seu pequeno e desarrumado apartamento no subúrbio da cidade.
A casa é decorada em tons de azul e branco, com paredes cobertas por quadros pintados em momentos de impulsividade. As cortinas se debatem contra a janela.
Jovial e perfeccionista, ela passa os dedos pela estante coberta por uma fina camada de pó.
- Tão desleixada, tão diferente... O que ele fez com você, Jude? O que você fez consigo mesma?
As memórias de algum tempo atrás rompem quaisquer resquícios de raciocínio lógico que ainda pudessem existir. Acaba - como um ato de desistência - atirando-se no sofá branco, pintado por uma mancha de gordura raramente notável à olho nu.


"Jullius pega a pequena mocinha nos braços, acariciando cuidadosamente os fios ruivos e as sardas adoráveis presentes nas bochechas da jovem. O primeiro trovão estremece o céu; a chuva causa ruídos no telhado frágil e gentil.
As mãos miúdas e o leve toque de Mrs. Parks no cabelo bagunçado de Jullius desperta arrepios na sua nuca.
- E se eu fosse loira?
- Ainda seria linda. Linda como ouro... E se eu fosse mais baixo?
- Seria o meu anão predileto. E se eu me chamasse Liz?
- Eu cantaria "Hey Liz" ao invés de "Hey Jude". E se eu fosse careca?
- Eu te faria usar um chapéu! - ela diz, escondendo a risada.
- E se...
- Ei, é a minha vez!
- Pois não, boneca.
- E se eu dissesse que te amo?
- Eu não responderia mais pelos meus atos."

terça-feira, 1 de março de 2011

Construção (01)



CONSTRUÇÃO

Capítulo 1

- O que eu estou fazendo aqui mesmo?
A colher de plástico quebra dentro do copo de café, enquanto remexe com bruscos movimentos recorrentes os resíduos açucarados do fundo. As luzes da cafeteria se apagam, enquanto o velho senhor de bigodes dita mais uma indireta para mandar a antiga cliente embora.
A cafeteria fecha as portas, mas a iluminação da calçada acende as caminhadas dos transeuntes - cada pequeno pedaço de matéria envelhecida repleta de promessas e desacasos. As cortinas se fecham nos lares desprovidos de solidão.
O banquinho da praça, tão velho e empoeirado - antes amarelo, agora marrom. Aleatoriamente, algumas folhas voam com a adorável leveza do vento.
- Tudo bem, Seu Manuel. Eu já estava indo embora.
Eternamente presa em contar os ladrilhos soltos da calçada, se mantém firme em seus pensamentos. Resmungando sobre o esquecimento de um casaco, treme de frio e acaricia seus próprios braços. As unhas rosas e o batom vermelho davam destaque aos ligeiros passos da loira criatura viajante entre mares de cegueira e procrastinação.
- Baby, você não quer se esquentar, não?
Uma voz rouca aproxima-se do pescoço delicado e branco. Os lábios ferozes tocam o redor das orelhas com furos desordenados. Petulante, embriagado e mesquinho: uma voz conhecida, que abriga a identidade ainda presente na memória da jovem. O mesmo toque macio e aveludado, e o cheiro de vodka esvaecendo-se no suor.
- Bêbado novamente, Julius?
- Minha sobriedade nunca foi infringida pelo álcool, docinho.
A provocação de sempre. A vontade de pegá-lo nos braços, jogá-lo contra a parede e fazê-lo engolir cada uma daquelas palavras sujas e impulsivas deixa a respiração de Mrs. Parks cortante. "Nojento, é isso que você é", pensa.
- Eu estou tentando reconstruir... Eu, a minha vida, tudo. Por que você não me deixa em paz?
- Construção? Eu sou o seu cimento, minha gatinha. Colo os seus pedaços e te completo, desde que você foi abençoada com a minha existência.
Asqueroso. Ainda detinha a mesma coragem de criar metáforas com alusões à seu favor. Ela o empurra para o lado - com a pequena força que ainda lhe resta - e avança com um desejo certeiro de seguir em frente.
- Não precisa ser hoje, deusa. O ciclo vai se repetir. Vou martelar na sua consciência até você parar de ser prisioneira da mente e optar pela prática, mel.
Mrs. Parks observa as estrelas e tropeça nas elevações da calçada. Algum estrondo repentino enche seus ouvidos de uma agonia perturbadora.
- Céus, enviem-me um casaco agora?

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

"Primeiro estranha-se,

...Depois entranha-se."

Andei
- devagarinho -
Pulando por cima das folhas
- docemente -
Que voavam com voraz força do vento
- manso em seus contornos -
Espelhando reflexos ocultos
- por entre os cantos -
Vislumbrando os passarinhos
- passarinhando -
Criando um rascunho de mim
- dado ao acaso -
Presenteando o destino
- sagaz em suas escolhas -
Entristecendo a vida
- sempre tão pretensiosa -
Com minhas palavras ociosas
- inegavelmente necessárias -
Amando-te nas entrelinhas
- escondidinha -
Entre arbustos
- voltam as folhas? -
Entre sedes e vontades
- sonhos e felicidades -
Nas tortas retidões que me impunhas.

(Entre travessões, detalhes. Entre palavras, sentimentos.)

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Honey pie

Buraco negro

Talvez agora eu tenha
Alguma certeza descabida
Certa vontade imensurável
Em linhas tortas e indevidas.

Alegria inexplicável a que sinto agora!
Aliás, resume-se a um único ser.
É a paixão pelo que sou quando estou contigo.
É a ingenuidade doce nos meus sonhos de te conhecer.

Deixa-me?
Te ter, mesmo não te tendo.
Te amar, mesmo sem querer.
Permita-me aproveitar a candura e a ternura que teus olhos me proporcionam?

Te esperar não é uma tareda árdua.
Uma indecisão gostosa,
Que fica em minhas entranhas
Provocando uma esperança infantil e charmosa.

Involuntariamente,
tu me inseres num mundo novo.
No teu mundo...
O meu mundo!

Há uma palavra
Que possa denominar os indecifráveis ingredientes dessa receita.
Não é amor,
Não é paixão.
É devoção.

Pura e intensa devoção ao surreal ato de te ter.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O que o ócio me faz

Ensaios de Embriaguez

O mundo perdido,
O fogo dos olhares corrompidos.
Os navios detentores de riquezas,
As aldeias transformadas em represas de tamanha tristeza.
Almas erradas se encontram,
Pensamentos sutis se esquivam,
Mãos separadas por acasos e descasos.
Ordens não-cumpridas,
Prisões estabelecidas,
Condenações e depreciações.
O que será ser?
Fatos, enredos e inventos.
Versões, afirmações e erratas.
Mal sabiam eles
- reles mortais -
Que da vida eram cobaias,
E de si mesmos eram reféns!

***

Escrevo as linhas tortas de um verso,
Como quem dança à procura de atenção.
Busco em mim a resposta
Para coisas ausentes de exatidão.
Conheço-me por inteira,
Entrego-me ao ensaio inacabado dos atos,
Vivo na espera do que não sei.
Pois, me diga:
Rotina não é só um mero eufemismo para desesperança?

***

Quarenta dias ele prometeu,
Quarenta dias foram a eternidade.
Arrumei a velha casa:
Lavei os vidros,
Dei brilho ao chão,
Engraxei os sapatos,
Comprei colares,
Abri a janela
E contei as horas.
Quando o avistei chegando,
Foi que lembrei-me do que havia esquecido outrora:
Do que adianta ser vistosa,
Se por dentro estou recheada de pó?

***

Pisando sobre diamantes,
Tateando ao encontro do nada,
Destilando veneno por entre os dedos.
As formigas,
Com seu andar aflito e exasperado,
Me contam histórias.
As abelhas me ensinam a fazer mel.
Os peixes me abrem os olhos,
Meus fios de cabelo deixo crescer.
Óh, Deus, perdi meu sapato!
Sou a princesa de um reino
Onde a loucura é moeda de troca.
Os fantasmas transitam,
Mas sempre esquecem de fechar a porta!

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Desentender-se.

Diálogo pseudolírico em ponto de insolidez

Você conhece a Dona Laura?
A Dona Laura?
Aquela que vende melancias durante o pôr do sol.
No verão?
O movimento é maior no inverno.
Mas... Melancias não são típicas do verão?
São típicas de quando você quiser.
Não entendo sua visão.
Você acha que não entende.
Pombas! Eu tenho total consciência sobre meus desentendimentos.
Mas não sobre teus entendimentos.
Quem é você pra mandar em mim?
Eu sou só você.
Eu?
E quem mais poderia ser?
Você.
Eu sou você. Os pronomes se confundem.
Isso ainda vai me enlouquecer.
Tarde demais.
Estou em plena lucidez.
Quanta pretensão, meu eu saturado.
Tudo é um sonho.
Quando você acordar, a realidade já terá acabado.
O que você sabe sobre cedos e tardes?
Nada.
Contudo, ages como se soubesse.
Meu estado de ignorância é despreocupado.
Você não pode ser eu. Não sou ignorante.
E também não és despreocupado.
Em partes.
Não fale sobre seu eu intrínseco sem conhecê-lo.
Cansei.
Eu também.
Então pare.
Quando você quiser.
Pois, eu quero!
Satisfação em liberdade momentânea.
Vou sair.
Te acompanharei.
De maneira alguma! Sob hipótese nenhuma.
Ao me rejeitar, tu acabas rejeitando a si próprio.
O sol já está se pondo.
É uma bela paisagem.
Vou comprar melancias.
Mas não é inverno?
O sol está dentro de mim.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Everything ends.


Desejos de um final

A decisão estava tomada. O ar parecia mais leve ao seu redor, com a simples sensação de poder fazer - talvez, pela primeira vez naquele ano - o que sua razão e coração mandavam. Todos os minúsculos horizontes de seu organismo falho gritavam a mesma palavra: "Faça!", ordenanavam-a, de maneira rápida e instintiva. Seus batimentos aumentaram e o sangue circulava em uma velocidade inimaginável nas suas veias.
Sentou-se na poltrona macia e aconchegante no canto do seu quarto. "O nosso quarto", repetiu consigo mesma. O instante crucial para a sua nova trajetória estava prestes a ser traçado. Era agora; e era para sempre.
As palavras vieram a sua mente, e inundaram a folha com toda a sinceridade que Clarissa era capaz de suportar.


"Tony,
meu bem.
Chegamos à reta final.
Você sabe, mais do que qualquer pessoa existente nesse planeta gigante, que eu não sei dar início às palavras e que meu extremismo é truculento e estraga quaisquer indícios de diplomacia que eu ainda possa abrigar em meu ser. Encaminho-me, involuntariamente, à direção mais dura que eu poderia seguir, típica de minha insensatez feminina.
É o fim, Tony.
Suponho que tu não estejas entendendo o que eu digo. Deves estar lendo essa folha amassada, arqueando as sobrancelhas - como sempre fazes quando estás confuso -, mostrando os resquícios de tua insegurança no olhar, abrindo levemente os lábios, inflando as narinas, como se a atmosfera fosse tornando-se poluída e que tu ansiasse por encontrar o teu refúgio no mundo que inventamos.
Meu doce. Sabia que você é lindo enquanto dorme? Passei a última noite em claro, analisando teus contornos perfeitos. Tu és uma obra-prima, pintada por um artista de toques refinados e sutis. Tu foste moldado pelas mãos de Midas, meu ouro, meu diamante precioso.
Mas... Eu não posso mais.
Lembra quando nos conhecemos, Tony? Eu era só uma adolescente com desejos desenfreados e um coração inativo, que vivia para os estudos e consagrava-se em cada "não" que respondia às pessoas. Enquanto eu estava sentada, mergulhando-me nas palavras de um escritor filósofo qualquer, tu chegaste derramando todo o líquido adocicado de que és feito. Uma coincidência perfeita.
Posso revivenciar cada instante daquele momento, sentindo cada emoção como se fosse hoje e agora. Foi como se o botão para que meu coração funcionasse e se permitisse arriscar, sofrer e se apaixonar tivesse sido pressionado.
Três anos se passaram. Os três melhores anos que eu poderia ter na minha vida. Tu me deste todo o amor que eu nunca imaginei receber. Sempre fora tão fiel, tão companheiro, tão compreensivo, tão... meu.
Se hoje eu convivo com problemas, não foi por falta de felicidade! Foi só o acaso, o destino... Ou talvez tudo já estivesse escrito nas páginas de um livro e fosse exatamente para ser assim.
Te amei pelas tuas qualidades e defeitos. Sempre que ficávamos juntos, eu rezava mentalmente para que o momento não acabasse nunca. Porém, eles sempre se encerravam. O tempo nunca foi justo comigo...
Bem, eu te amo. Negar isso seria duvidar da realidade. Te amei, te amo, e te amarei por todos os instantes que pertencerem a minha eternidade.
Contudo, há um empecilho. Eu sou o empecilho.
Não suportaria, sob qualquer hipótese, lhe ver sofrer por mim. Você vai seguir a sua vida. Tu nunca precisaste de mim para ser bem-sucedido ou arrancar olhares das mulheres ricas e invejadas. Você pode sobreviver.
Mas eu, meu encanto, não posso mais.
Estou dolorida - por dentro e por fora. Meu coração se corrói e minhas lágrimas caem com uma facilidade surpreendente.
Sou perecível. Sou errante, errada, injusta, doente e repleta de falhas.
Não fale nada, não murmure pedidos que eu não posso mais atender. Apenas me ajude, meu amor. Preciso do teu apoio... Entenda minhas fraquezas e só guarde consigo os momentos bons que vivenciamos. O primeiro beijo, as cartas, as noites, o teu pedido de casamento.
Deixe-me ir. Não me esqueça - conserve-me em algum espaço adorável de tua memória.
Ame, Antony. Ame muito. Na hora certa, nós estaremos reunidos novamente.
Levo comigo o teu toque carinhoso e teu perfume hipnotizante.
Que a vida se encarregue de nos unir em toda a sua eternidade.
Eu te amo. Mais do que você pode imaginar. Mais do que eu posso suportar.
Da sua noiva,
Clarissa.

PS: a aliança está guardada na terceira gaveta do nos..seu guarda-roupa."


Quando Antony acabou de ler a carta, suas mãos tremiam e não haviam mais lágrimas para chorar.
Correu até o quarto e encontrou o que imaginava.
Clarissa, sem expressão no rosto, olhos vidrados ao léu, deitada no chão em frente à cama. Sem espírito. Sem alma. Sem vida.
No espelho, os escritos em batom vermelho: "Perdoe-me, Tony".
Ao lado, folhas com diagnósticos de exames.
Tony sempre soube. Havia marcado para hoje a surpresa que faria para a mulher - um jantar especial, regado pela certeza de que ele estaria sempre ao lado dela. Não fora possível.
No peito de Clarissa, uma faca.
Tony pegou sua mão branca e beijou sua bochecha pálida, enquanto entrava em estado de choque e mostrava as rugas crescentes em seu rosto.
"Minha pequena, eu trouxe rosas vermelhas e a sua comida predileta", murmurou em seu ouvido. Clarissa não respondeu.
Acariciou seu cabelo ruivo e encarou seus olhos semi-abertos.
"O que será ser só, quando outro dia amanhecer? Será recomeçar, será ser livre sem querer... Quem vai secar meu pranto? Eu gosto tanto de você." recitou os versos de Chico Buarque que embalaram o romance dos dois.
...Levaram-no ao manicômio.