sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Primeira pessoa

Términos suscitam análises; se a psicologia não responde aos meus questionamentos, recorro a quem anseia pela minha chegada. Conto um segredo: poucos sabem que o sonho da celulose é dissipar a ausência com um arco-íris. Atendo às lamúrias gritantes de quem me abraça, culpando os "velhos tempos" pelo ato: transformo o papel, induzindo que meu corpo traduza os quereres da alma.
Engano-me, sim, quando ordeno ao meu lirismo que exalte sensações que não tenho. Entre posses e fugas, contudo, paro no meio do caminho; eis a pedra. Aproprio-me de Drummond: o entrave é, de fato, maior do que a solução. Meu querer não é intransitivo e precisa - sem complexidade - ser completado. Acabo por supor que exista uma relação inversamente proporcional entre sentir e saber; ter a noção de que a sensação é plena envia o tormento dos argumentos contrários às minhas teses. Escolha ou imposição, sei que não sei e isso me basta para permanecer sentindo. Escrevo sobre a minha bênção: ignorância.
Não respondo às pretensões, negligencio ao que me peço, não adiro às lógicas e repudio a linearidade. Meu maior abuso é ser comedida e transferir a felicidade para os próximos vinte anos. Espero que o futuro dispense vocábulos conectivos e esteja longe o bastante para que as minhas utopias sejam edificadas. O clímax do texto é sempre o perigeu da minha certeza. Evito dizer, porque já me basta pensar.
Presenteio as entrelinhas com as lacunas do raciocínio. A liberdade da prosa se encerra quando decido analisar a pintura: tinta a óleo dificulta a arte... Borrei.

sábado, 11 de agosto de 2012

Eu-lírico, você-lírico

Nossa relação é antítese; talvez eu recorra às hipérboles para detalhar com eficácia os pormenores que contornam os nossos vínculos. À deriva, apoio-me em metáforas. Se as palavras se assemelham a cartas embaralhadas, abraço as interjeições. Ah, somos retângulos que se esqueceram de que a adequação às normas cultas é uma exigência mais do que fundamental. Paralelogramo. Paralelo.
Gosto de pensar nós como nós: pronome como substantivo. Entrelaçados, presos por conveniência ou força maior. Segurando o acaso entre nós. Alimentando a esperança de que, algum dia, o fio rompa, após anos de resistência e ardor, liberando e libertando o presente. Intersecção disfarçada. Entre nós. Nós.
Percebo a existência de um dilema, quase um paradoxo. Se falo em primeira pessoa, pareço falsamente sensível e aberta em demasia. Ao contrário: não me sinto disposta a contrariar o que se vê. Eu sinto, eu doo, eu me doo em quantidades não recomendáveis. É comum. Não sou eu e não parece o que é. É nó.
Abandono o "eu", discurso para ti. Tu. Lerás? Chico Buarque cantava a alguém, Quintana chorava por alguém, eu escrevo para alguém. São seres diferentes e ideias incongruentes na essência. Se te utilizo como você, encaixo-te em uma ordem involuntária de vocês que não te (nos) representa. Por consequência, torna-te mais um. Da Silva. Você da Silva.
Por qual recurso opto? Qual verbo transcreve a ação? Qual pronome suprime meu querer-dizer e incorpora o não-dito também? Ao fim, avalio o te(x)to. Conto as peças do quebra-cabeça e reparo no que não é passível de conserto. Silencio diante das frases. Atrevo-me a aderir a uma perspectiva mais concretista e menos pragmática da vida; let it be, life goes on. A continuidade aponta o surgimento das reticências; insurjo-me. Prefiro o que é definitivo e não permite dúvidas. Sei que gosto do certo, mas tu és o errado.
Diga-me com quem andas e te direi quem és. Diga-me do que gostas e te direi que és o contrário disso. Assim, perturba-me e injeto em ti doces deletérios; lá pelas tantas, dedico minhas cartas e canções sem métrica para que, em troca, receba um sorriso de aprovação. Juntos, formamos dramas e epopeias - esperamos pelo alarme do despertador. Despertando a felicidade para acariciar a tradução.
Par perfeito, tu semeias a discórdia e, com pouca constância, me oferece as respostas. Tua companhia é a melhor definição de presença, da mesma forma que a tua ausência é um ensaio da inércia. Na nossa história, dividimos o protagonismo e nutrimos certezas sobre o futuro.
Estamos atados. Colados. Lado a lado, existência com existência, palavra com palavra. Pensamento com pensamento.
Eu e você. Causa e efeito. Corpo e lirismo. Nó.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Inspiração, sou tua!

Litígio
ou
Carta à Inspiração

Que tal um oi na janela

Só pra provar que você ainda existe?
Cá entre nós
Ando um pouco escondida e triste...

A tua falta desespera
O teu excesso é loucura
Ou as páginas são vazias
Ou sofro de constantes tonturas!

Aqui dentro, o caos assenta
Lá fora, a caneta seca
O recanto gentil de minhas palavras
Já chora com as páginas amarelas.

Não espero uma epifania
Tampouco uma maré de sorte
Quando foi que perdi a bússola
Que me dizia o ponto norte?

Se penso, perco a estrada
Fico longe das exclamações
Se paro, enfrento o congestionamento
Atordoa-me o barulho das interrogações!

Das redações de trinta linhas, sinto medo
Das belas prosas e poemas, não me lembro
Eu, que era requisitada para escrever cartões
Apavoro-me só de pensar em Dezembro!

Não sei se foi excesso de Pessoa
Acho que Lispector embaralhou as tuas ideias
Essa história de liberdade e denominação
Fez com que adiantasses o período de férias!

Tanto carinho lhe dei
Para que docemente amadurecesses
Agora fechas a porta
Como se a mim desconhecesses?

Destrata-me com amargura
Do meu caso pareces tirar sarro
Já dizia Augusto dos Anjos:
O beijo é a véspera do escarro!

Bonita tu apareces
Vestido florido, cabelo arrumado
Depois arranjas um motivo
Pedes o divórcio e está tudo acabado!

Devolva-me os versos
Se há uma pílula, mande-a num postal
Permanecer sem a tua presença
Para a minha essência será fatal!

Até desenvolvi insônia
Consola-me saber que por isso vais pagar!
(Quando chegares, te ofereço meu colo
E uma lírica canção de ninar.)

segunda-feira, 19 de março de 2012

Acting naturally

Condolências à razão

Na infâmia do que é triste
Imersa nos tamanhos relativos
Exprime a falta de coesão
A moldura do quadro
Da foto envelhecida
Paradoxo irredutível
Destrói a antiga novidade
  
Se a mão escreve
A veia salta, pulsa, leva, traz
Retorce verdades
Enquanto me contorço na cadeira
Abafando o ciclo
Para conter as ondas
do Pensamento, instituição nobre
  
Mar, límpido, desperta
Averigua o território
Reconhece o caminho
Abriga e silencia
Emudecido, descobre:
O que outrora fazia sentido
Agora não sente nem perscruta lógica
  
Pela janela, a beira da praia
Vê a verdade 
Mutável
Admite a vulnerabilidade
Tua alma é relicário
Guardião da emoção.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Fábula das vias transversais

dei boa noite à vírgula beijei no rosto o ponto final que rejeitava qualquer possibilidade remota de felicidade no desfecho triste da história inacabada mas no fim do fim do início desisti de qualquer impacto e firmei um pacto que não teve sangue nem outro elemento simbólico mas ainda foi um pacto selado mesmo que tenha sido calado com o mosquito que voava enquanto eu deitada imaginava se insetos pensam ora bolas já haviam me dito que só humanos eram racionais mas talvez deixando de lado o conhecimento daquele bom rapaz e considerando o termo humano como uma característica mais emocional e que é volúvel ao ser e nada intrínseca muito menos perpétua pensei que caso fosse comparado com determinado homo sapiens que poderia ser eu ou a senhora que me entregava o mocaccino em mãos na cantina do colégio de alguma maneira o bichano pequeno e quase imperceptível tivesse mais noção do que fazia e do que sentia e do que por ventura desejava além de naturalmente almejar um presente de sorte vindo do futuro que prolongasse a sua sobrevivência e tive certeza de que aquele mosquito era muito humano mas na verdade eu acreditava que se contasse a história para o filósofo que estudou na frança e que entende muito sobre a vida mas pouco sobre si mesmo o cavalheiro cheio de bons modos e com uma presunção entranhada diria que minha lógica estava errada completamente equivocada e que a minha vindoura tese de doutorado teria que ser baseada e embasada em outra coisa mais palpável porque ele preferia crer que eu era mais inseto do que humana e não o contrário e relutei em contar a novidade e pensei que eu era maluca e que absolutamente ninguém conseguiria compreender a velocidade do meu raciocínio e/ou interpretar minhas afirmações como detentoras de um pingo de veracidade e que todo mundo diria que eu bebi demais sonhei demais falei demais pensei demais dormi demais comi demais escrevi demais julguei demais e fiz tudo em demasia quando eu não havia feito nada a não ser deitar e mirar o teto e pensar em insetos e consciência e racionalidade e conceito humano e debochariam dos frutos do meu pensamento e o colocariam no topo do altar da missa do dia seguinte rezando pela minha alma para que eu voltasse a apresentar uma espécie de qualquer coisa comum mais parecida com tristeza do que normalidade e todo o pragmatismo das coisas me parecia distante depois que eu havia jogado o café no chão da cantina e feito o inseto ir embora do meu quarto à palmadas no ar e oh senhor mosquito você levou embora o que me fazia humana mas me deixou suas asas e nenhum estranhóide sapiens me alcança quando viajo e por surpresa descubro algum fator novo que desafie a ordem e promova um caos benéfico comportamental e uma dicotomia que resulta em antinomia e sobram contradições versões e especulações sobre os efeitos da cafeína e o desenvolvimento de uma nova raça de mosquitos que ao picar humildes e tangíveis moças indefesas transmitem certo veneno que corrói as explicações e só lança perguntas perguntas perguntas e pontos de interrogações na vítima você é um meliante senhor mosquito e eu sou a indefesa donzela do nosso romance do autor amigo do acaso casado com o destino que brigou com o ponto final e não criou um término alegre para a fábula da promissora sociedade falida do mito da exclamação