terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Transitividade.

- Tia, você tem um trocado?
Caminhava pelas estreitas avenidas da cidade agitada. A fumaça, as buzinas, os gritos de "liquidação" e "queima de estoque" me atordoavam. As crianças enfileiradas no meio-fio, à espera de um abrigo, de um refúgio qualquer em meio à realidade assombrada. O cheiro de comida acebolada, as calçadas que me causavam tropeços exasperados, o bater das portas... A sujeira.
E quanta sujeira. Por entre os pequenos espaços vazios entre os amontoados de pessoas que aglomeravam-se, indo para lugar nenhum, as moscas desviavam de minha cabeça. Eu estava suja também.
Desamor. Desafetos. Desencontros e... Desejos. Ah, quantos desejos!
Poderia eu permitir-me sonhar com um futuro mais próspero? Com a simplicidade das coisas, com a paixão que me aguardava em um beco sem-saída no final da rua?
Senti medo.
Receio de mim. Do que eu poderia fazer.
E do que eu não poderia, sob hipótese alguma, fazer.
Entrei em uma loja com uma fachada bem-arrumada, menos desagradável que as demais, e olhei a atendente de olhos vazios.
- Por favor, a senhora podes me dar um copo d'água? Não estou me sentindo bem.
Esperei uma resposta. O tic-tac do relógio era ofuscado pela gritaria que vinha da rua.
- Desculpe-me.
Era água. Pura e simplesmente água - incolor, inodora e insípida - que me fora recusada.
Prossegui caminhando pelas ruas enquanto o sol escaldante parecia gerar faíscas em minha pele.
A sujeira.
Eu não sabia como estava - meu estado era uma incógnita. Desde que havia tomado aquela decisão, parei de preocupar-me com a minha aparência.
Só a aparência do mundo me interessava.
Assisti meu reflexo em uma vitrine de materiais hidráulicos.
Normal. Assustadoramente normal. Roupas casuais, minha pele macia e comum, meu cabelo cuidadosamente despenteado.
Pois de que sujeira eu falava, então?
Do implícito. Do que ninguém via. Das faltas, das presenças, da dor.
Vazio. Ausência de esperança.
O descaso comigo mesma.
Era eu, era outra, era nada... Era o tempo.

Um comentário:

  1. Eu gostei bastante, Laíza. A sinceridade nas palavras... Até porque ninguém é perfeito. Todos tem seus "dias de vermelho", como diria Holly Golightly. Fica aí meus parabéns pelo seu texto, ms.

    ResponderExcluir